quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A balada de Bob Dylan


Bom, a referência quase obrigatória para o próximo passo é Bob Dylan. Eu pretendo fazer, futuramente, algumas postagens sobre seus discos e alguns filmes que ele fez, atuou ou participou da trilha. Mas este post, especificamente, não o coloca como sujeito e sim como objeto, no caso, do livro de Daniel Mark Epstein. Intitulado A balada de Bob Dylan: um retrato musical, a versão em português da obra saiu em 2012, pela Editora Zahar (que, aliás, contém algumas incorreções). A estrutura do livro é bastante interessante: consiste em quatro partes, sendo que cada uma delas aborda um determinado show de Dylan e, portanto, uma determinada época de sua carreira. Epstein relata a experiência de cada show e, a partir daí, comenta os discos, interpreta as letras das músicas, analisa posturas e acordes e aborda o contexto do momento. Por isso, o livro não é exatamente uma biografia. Embora a reconstrução da vida de Dylan ocupe talvez a maior parcela da obra, o autor não hesita em expressar seus próprios sentimentos, admirações e frustrações em relação a Dylan.


Preste atenção: nas interpretações das letras feitas por Epstein que também se vale de determinados trechos das músicas para narrar a vida de Dylan. A reconstrução do ambiente e das expectativas do público nos shows são algumas das melhores partes do livro.

Epstein reproduz, no capítulo 15, um trecho de uma entrevista de Dylan. Quando perguntado se lia as obras escritas sobre ele, Dylan respondeu: “Eu parei de ler depois da biografia de Shelton. É difícil ler sobre você mesmo porque na sua cabeça as coisas nunca aconteceram daquele modo. Tudo parece ficção” (pp. 401).

E se no post anterior Vila-Matas empregou o nome de Dylan no seu livro que aborda a questão da originalidade, talvez a referência não tenha sido apenas de ordem física. Bob Dylan pode ser considerado, em muitos sentidos, um bricoleur. O artigo de Scott Warmuth trata exatamente disso.
E.C.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ar de Dylan

Bom, o segundo passo é dado em direção a Enrique Vila-Matas. Na realidade, foi a partir de seu último livro, Ar de Dylan (2012), editado pela Cosac Naify, que eu tomei conhecimento do filme Três Camaradas. No livro, o filme de Borzage desempenha um papel indireto servindo como uma espécie de estímulo para o personagem Vilnius, que se assemelha a Bob Dylan e dá título ao romance, concretizar seus projetos, como, por exemplo, tentar descobrir se a frase dita por Pat no filme “Yes. It's odd – when it turns dark you need someone” havia sido escrita por F. Scott Fitzgerald. A tarefa era quase irrealizável porque – se acreditarmos nas informações fornecidas por Vila-Matas – o roteiro passou por inúmeros escritores e revisões. No entanto, tanto o objetivo da tarefa, quanto o assunto do livro parecem abordar o tema do fracasso e a questão da originalidade. E aí, claro, existe um paradoxo: concretizar um projeto destinado ao fracasso não inviabilizaria o próprio projeto? 


Eu confesso que não partilho da atual devoção concernente a Vila-Matas. Me parece que, em variados momentos – e esse livro é um exemplo – o escritor catalão se preocupa mais em criar jogos, estabelecer referências e promover exercícios literários, do que propriamente em desenvolver uma narrativa interessante. Acho que essa crítica do Ronaldo Bressane dá uma boa ideia do que (não) esperar do livro.

Preste atenção: nessa citação, apropriada para tempos que continuamente preveem seus próprios términos: “A humanidade – continuei dizendo – já teve seu Juízo Final. E os condenados, já foram condenados, mas todo mundo faz de conta que não se deu conta disso" (p. 285).

E recorrer a outra passagem: "Pesquisar nem sempre leva a encontrar o que se procura, mas a encontrar o que está ao lado do que se procura, normalmente sempre interessante também" (p. 97), permite dizer que encontrei um bom filme no livro de Vila-Matas.
E.C.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Três camaradas


E a escadaria se inicia com o filme Três camaradas (Three Comrades). Baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, ex-soldado alemão que após a I Guerra Mundial se dedicou à literatura, o filme é lançado em 1938, somente dois anos após a publicação do romance, e já na véspera do novo conflito. (Aliás, esse não é o primeiro livro de Remarque a virar filme. Antes dele, o romance Nada de novo no front, não só já havia sido filmado, como também havia faturado a principal categoria do Oscar na cerimônia de 1930. Mas esse é outro degrau). 

No filme de 1938, dirigido por Frank Borzage, a história se centra na vida de três soldados no imediato período que marca o fim da I Guerra Mundial. Num contexto de incertezas políticas e profunda insegurança e desilusão, é justamente a amizade dos três amigos que permite um pouco de esperança e conforto, sobretudo quando um deles se apaixona por uma mulher de espírito inquieto e cativante. Um dos atrativos do ótimo filme são os diálogos inteligentes e repletos de frases tocantes e sarcásticas. Um exemplo: após um encontro desastroso com Patricia Hollmann, Erich pergunta para Gottfried o que deve fazer. O amigo replica: “Well, don't apologize. Send flowers. Only flowers. They cover up everything. Even graves”. A sentença está presente tanto no livro quanto no filme, que, aliás, tem o roteiro assinado por F. Scott Fitzgerald, em parceria com Edward Paramore. O texto original pode ser lido aqui, mas a produção final apresenta muitas diferenças. (Esse é um tema que, por si só, é capaz de originar uma longa sequência de degraus: roteiros assinados por escritores). 


Preste atenção: os diálogos, as frases marcantes e contundentes são os principais atrativos do filme. Duas cenas também merecem destaque: o belo enquadramento da cena na qual o personagem Otto Koster, após um tiroteio, fica imóvel diante de uma igreja com seus vitrais iluminados (acima); e a comovente cena final, que ainda parece expressar uma síntese do argumento principal do filme.
E.C